Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 9 de Junho de 2008, aworldtowinns.co.uk

Nápoles: Com lixo até ao pescoço, o povo revolta-se

A batalha sobre o lixo não recolhido e amontoado em grandes pilhas nas ruas de Nápoles já decorre há vários meses e não mostra nenhum sinal de abrandar. O recente início do envio desses resíduos para incineração na Alemanha – num comboio com 56 carruagens que transportará diariamente 700 toneladas durante as próximas 11 semanas – não deve resolver inteiramente a questão subjacente, a qual é saber se a sua recolha futura irá ou não ser feita à custa da saúde e da segurança das pessoas. O texto que se segue é uma versão editada e resumida de um artigo que apareceu na edição de Fevereiro do jornal maoista italiano Proletari Comunisti.

A situação de emergência do lixo de Nápoles e de toda a região vizinha da Campânia está mais viva que nunca à medida que continuam os protestos populares. A decisão do governo, apoiada pela oposição, de nomear De Gennaro como comissário extraordinário para o problema exprime claramente a intenção do estado e da classe dominante de lidar com esta emergência sobretudo como sendo um problema de ordem pública.

A sua abordagem é não só a de limpar as ruas do lixo mas também das massas populares em luta. A polícia continua a atacar mulheres, velhos e crianças. O poder nacional e local e a máfia política e económica que controlam todo o processo de reciclagem do lixo na Campânia, primeiro fizeram disso uma fonte de riqueza para si próprios e, agora, incapazes de lidarem com o problema, estão a despejá-lo sobre a população. A sua “solução” é queimar os resíduos em mega-lixeiras que produzem energia e mais lucros. Para pôr fim à emergência, o estado visa pôr fim à revolta que fermenta.

Uma revolta que já existe. Começou em Pianura, um bairro nos arredores a oeste de Nápoles, e espalhou-se depois ao bairro suburbano de Quarto e Pozzuoli, desencadeada pelo anúncio pela comissão extraordinária da reabertura da mega-lixeira de Pisani. A população reagiu imediatamente. Essa lixeira foi responsável por mortes por cancro, por bebés nascidos com malformações, por toda uma zona que cheira mal e pela água e pelos solos envenenados. As instituições tinham prometido um renascimento económico e uma limpeza ambiental. Em vez disso, as pessoas descobriram que enfrentavam uma imposição. O movimento de massas inicial teve um carácter pacífico, com um programa definido em reuniões de massas, abaixo-assinados e enormes manifestações. Os responsáveis responderam enviando centenas de polícias de choque com todo o equipamento. As pessoas resistiram à violência policial combinando várias formas de luta, desde incendiar autocarros a marchas e procissões com archotes. Os jovens entraram em acção, combatendo a polícia local e nacional.

Esta reacção e este contra-ataque foram recebidos por uma violenta campanha na comunicação social. Chamaram os rebeldes de bárbaros, criminosos e membros da Camorra (a Máfia da região). Esta última acusação contradizia o que uma investigação judicial tinha revelado: que as famílias da Camorra estavam interessadas nas mega-lixeiras porque durante os últimos anos tinha havido o encerramento da maioria das lixeiras “legal e inspeccionadas”, que agora estão cheias de uma imensa quantidade de lixo tóxico e nocivo. Toda a cadeia de recolha de resíduos tem sido essencialmente um lucrativo domínio privado controlado por pessoas ligadas ao crime organizado. Ultimamente, a Camorra tem feito dinheiro despejando lixo em pedreiras, terrenos abandonados, etc., que eles ocuparam como se fossem seus.

A revolta, necessária e legítima, assumiu agora formas combativas militantes e improvisadas. As pessoas resistiram à polícia e atacaram as câmaras CCTV de vigilância e a polícia e os bombeiros que tentaram apagar o lixo em chamas das barricadas nas ruas, as equipas dos noticiários televisivos e sobretudo as esquadras da polícia e os escritórios dos responsáveis locais. Os jovens conquistaram o consenso popular. Tem sido difícil aos comentadores televisivos encontrarem pessoas que se desassociem deles.

Tal como nos banlieues (os subúrbios dos estratos mais baixos da classe trabalhadora) de Paris, os jovens – muitos deles radicais – passaram de um estado mais desorganizado a um nível mais elevado de organização e lutaram ao serviço de uma justa luta pela saúde e pelas vidas das massas populares. Para muitos, as mega-lixeiras não são apenas um ataque à saúde das pessoas mas também simbolizam o desemprego permanente e uma existência da mão para a boca, numa vida vivida sempre nas franjas da ilegalidade a que as pessoas são forçadas nas grandes cidades da região. A grande maioria das pessoas dessas zonas juntou-se à luta, incluindo muitas mulheres com os seus bebés e outros moradores dos estratos menos favorecidos.

É verdade que as famílias da Camorra não estiveram ausentes. Elas “controlam o território” e querem manter o seu controlo perante esta revolta. Alguns fascistas insignificantes e lúmpenes a eles ligados tentaram repetidamente representar o seu papel. Mas, na sua maior parte, não tiveram qualquer sucesso. Muitas vezes, a sua presença tem tido o apoio da profana cadeia de comando do poder nacional, regional e local, tudo em associação com os partidos de centro-esquerda que, durante muitos anos, foram responsáveis pelo sistema de recolha de resíduos da região.

Um vasto espectro de forças políticas radicais tem estado profundamente envolvido na luta.

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