Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 14 de março de 2017, aworldtowinns.co.uk

Cedric Herrou, um produtor de azeitonas de 37 anos, assumiu uma missão. Dirigindo a furgoneta dele por estradas secundarias e aldeias e ao longo das linhas dos caminhos-de-ferro no vale francês de Roya, junto a Itália, ele recolhe refugiados, frequentemente jovens e crianças que atravessaram a fronteira a pé. Ele é o mais proeminente de entre as pessoas da cidade de Nice e dos arredores, um pequeno grupo de indivíduos que agem por impulso moral espontâneo e outros membros de redes informalmente organizadas, por vezes agindo clandestinamente e outras vezes sob o foco da comunicação social, que têm desafiado as leis que proíbem a ajuda às pessoas que o governo considera “ilegais”.

Devido a isto, Herrou já foi detido três vezes. A 10 de fevereiro, depois de ter havido manifestações em Nice, em Paris e noutros lugares em defesa dele e de outros “criminosos da solidariedade”, Herrou foi condenado a pagar uma multa de 3000 euros, suspensa a menos – ou até – que ele seja novamente preso. Embora o tribunal tenha recusado o pedido da acusação para que desta vez mandasse Herrou para a prisão, decidiu que ajudar pessoas em perigo imediato, que é uma obrigação legal segundo a lei francesa, é ilegal quando se aplica a certas pessoas. Em várias ocasiões, a polícia armada deteve crianças imigrantes que ele tinha transportado e despejou-as na fronteira italiana. Trata-se de um caso de negligência infantil ilegal, alega Herrou, mas os tribunais têm-no punido a ele, e não à polícia e às autoridades que estão por trás dos tribunais.

Ninguém pode negar, nem mesmo os funcionários com o coração mais glacial, que os refugiados – na sua maioria africanos – acantonados na fronteira franco-italiana, encurralados nos rochedos entre a autoestrada e o oceano ou amontoados em campos sob supervisão policial, precisam desesperadamente de ajuda.

Eles estão entre os afortunados que sobreviveram à travessia do Mediterrâneo, onde se afogaram milhares de pessoas. Se foram salvos de um barco naufragado, o mais provável é que devam isso a ONGs e a barcos civis e não aos governos europeus que abandonaram oficialmente as suas operações de busca e salvamento. Se conseguiram chegar à ilha italiana de Lampedusa, pode ter sido porque foram levados para a costa por pescadores e voluntários. A determinação deles fê-los avançar à medida que faziam o seu trajeto desde a Eritreia, o Sudão, a Gâmbia e a Nigéria e através da península italiana, mas muitos deles não teriam sobrevivido sem a ajuda de outros seres humanos, de uns aos outros, em primeiro lugar, e de outros estranhos.

Num julgamento anterior, Herrou disse a uma concentração de centenas de apoiantes: “Se temos de infringir a lei para ajudar as pessoas, façamo-lo. O nosso papel é ajudar as pessoas a vencer o perigo, e o perigo é esta fronteira.” (The Guardian, 5 de janeiro de 2017)

As anteriores tentativas de estabelecer um exemplo não tinham terminado bem para as autoridades. Em finais de 2015, uma mulher foi atingida por uma enorme multa por transportar pessoas sem documentos. Quando ela ouviu no rádio do carro que a polícia estava a bloquear africanos na estação ferroviária principal de Nice, ela correu para lá, convidou as pessoas a entrarem no carro dela e levou-as para uma estação menos guardada. Durante a noite, choveram contribuições para pagar a multa dela.

Nem essas pessoas estão isoladas. Numa sondagem realizada pelo jornal local, Nice Matin, os leitores escolheram Herrou como “pessoa do ano” da Riviera francesa. Isto é uma notável contracorrente ao clima político dominante. Nice foi uma das primeiras cidades a proibir os trajes religiosos muçulmanos nas suas praias após um horrendo ataque terrorista islamita o ano passado. A região é há muito tempo uma praça-forte da direita e da extrema-direita, num país onde os partidos de direita e de “esquerda” que têm governado alternadamente estão em grande parte a competir com os grupos abertamente fascistas na promoção do nacionalismo e do veneno anti-imigrante. Numa resposta publicada nesse jornal, o principal responsável local denunciou furiosamente Herrou por “pôr em perigo o nosso país”, “insultar a polícia” e “ajudar possíveis terroristas”.

Ser a favor ou contra os refugiados e os imigrantes? Esta está a tornar-se numa das questões mais importantes do nosso tempo. Quando algumas pessoas veem uma família de refugiados com problemas à beira de uma estrada, em perigo de serem atingidos por um carro ou de morrerem de uma maneira mais lenta, elas param e levam-nos para mais longe da fronteira, ou para casa para passarem a noite. Outras chamam a polícia. Isto não é apenas uma questão perto das fronteiras. Em Paris, governada pelo Partido Socialista, as autoridades ordenaram aos voluntários que deixassem de distribuir comida aos refugiados que se acumulam nas ruas. Colocaram barricadas para que as tendas e os sacos-cama doados pelas ONG não possam ser usados para eles dormirem debaixo das pontes. Há um século e um quarto atrás, o escritor Anatole France assinalou sarcasticamente: “Na sua majestosa igualdade, a lei proíbe tanto os ricos como os pobres de dormirem debaixo das pontes [e] de pedirem esmola na rua”. Isso é literalmente verdade para a democracia capitalista na França de hoje, onde o estado, cujo objetivo é impor o atual e intolerável estado das coisas, proíbe e pune qualquer moralidade baseada em algo que não seja viver a vida ao serviço de interesses estreitos, egoístas e nacionais.

Além disso, a atual indignação e os muitos protestos contra o espancamento e a violação pela polícia de um jovem negro, Theo, num subúrbio operário de Paris, não estão isolados da campanha do estado para murar os imigrantes de países esmagados pela atual ordem mundial. São exemplos de “Os Franceses Em Primeiro Lugar”, uma ideologia e uma política que consideram certas origens nacionais como sendo um problema ou mesmo um crime, e que tentam redefinir e organizar ainda mais a sociedade segundo linhas étnicas e religiosas. Este slogan é abertamente proclamado pela Frente Nacional fascista e adoradora de Trump, mas esta perspetiva tem sido legitimada por todos os grandes partidos. Milhões de pessoas, independentemente de onde nasceram, são considerados uma ameaça para as sociedades que têm engordado à custa de um sistema mundial de exploração e opressão.

Agora, na era de Trump, os governos e movimentos políticos estão a abandonar o ténue verniz dos valores e das moralidades que alegavam defender e que em geral sossegavam as pessoas cujas vidas são um pouco mais confortáveis nos países onde se concentra a riqueza produzida pelos povos do planeta. A certa altura, a sociedade francesa poderá dividir-se: a favor ou contra os estrangeiros que se percebe estarem amontoados nas fronteiras e as pessoas no meio disto consideradas menos que verdadeiramente “francesas”.

Quando as pessoas colocam os seus interesses pessoais em risco do que veem como os interesses mais gerais da justiça e da humanidade, quaisquer que sejam as ideias delas em relação à natureza do sistema que enfrentam e às causas e soluções, a recusa delas a aceitarem uma das maiores injustiças do nosso tempo é uma enorme contribuição, e não só para aqueles que elas ajudam. Leva-as para um conflito com governos criminosos que são responsáveis por esta situação e para quem a solução é criminalizar as vítimas. Pode ajudar a construir um desafio à legitimidade da ordem política e económica cujos interesses estão em oposição aos interesses da humanidade.

É extremamente importante que mais pessoas fiquem indignadas e decididas a agir de imediato, e que estejam dispostas a seguir essa indignação até à sua conclusão lógica, na sua forma de pensar e de compreender, para que as suas ações se possam tornar ainda mais sustentadas e determinadas, ao mesmo tempo que compreendem a dimensão e a profundidade do problema e da solução.

Principais Tópicos